terça-feira, 1 de abril de 2008

Ossários de Timisoara


Para os que já leram o capítulo do Baudrillard que menciona "os ossários de Timisoara" e não identificaram o episódio, segue a explicação (a fonte é o livro de Inacio Ramonet, A tirania da comunicação. Citado por Sylvia Moretzhon, na dissertação defendida no nosso programa em 2000, intitulada " a velocidade como fetiche - a tirania do tempo real")

"Aquelas imagens tiveram um formidável impacto nos telespectadores que acompanhavam há vários dias, com paixão e fervor, os acontecimentos da “revolução romena”. Naquele momento, a “guerra das ruas” prosseguia para Bucareste, e o país parecia correr o risco de cair nas mãos dos homens da Securitate, a terrível polícia secreta de Nicolae Ceaucescu, quando essa “fraude” veio repentinamente confirmar o horror da brutalidade da repressão.
Aqueles corpos deformados se ajuntavam, no nosso espírito, àqueles que já tínhamos visto jazendo amontoados nos necrotérios dos hospitais, e corroboravam o número de “quatro mil” vítimas dos massacres de Timisoara. Aliás, “4.630”, precisava um enviado especial do Libération; e alguns artigos da imprensa escrita intensificavam o dramatismo da situação: “Falou-se de caminhões de lixo transportando inúmeros cadáveres para locais secretos onde seriam enterrados ou queimados”, dizia um jornalista do Nouvel Observateur (28 de dezembro de 1989). “Como saber qual o número de mortos? Os motoristas dos caminhões que transportavam metros cúbicos de corpos eram mortos com uma bala na nuca pela polícia secreta para eliminar qualquer testemunha”, escrevia o enviado especial da AFP (Libération, 23 de dezembro de 1989).
Ao ver os cadáveres de Timisoara na telinha da TV, não se podia colocar em dúvida os “60.000 mortos” - alguns falavam até de 70.000 - que a insurreição romena havia provocado em alguns dias. As imagens destes cadáveres só podiam confirmar plenamente as afirmações mais delirantes.

As cenas exerceram tal impacto que

os responsáveis pelos jornais (por exemplo, Dominique Pouchin, do Libération), admitiram publicamente que, impressionados com as imagens ao vivo na televisão, eles haviam reescrito o texto de seu correspondente no local, que mostrava reservas sobre esse “ossário”.

Sabe-se hoje que o número de mortos na revolução romena, incluindo partidários de Ceaucescu, não passou de mil, e que em Timisoara foi inferior a 100. Não que isso retire o drama do conflito, mas seguramente o exagero das cifras ajudou a ampliar exponencialmente o impacto daquelas imagens. O principal, entretanto, é que todo aquele espetáculo mostrado pelas câmeras e reproduzido nos jornais não passou de encenação:

Os cadáveres alinhados sobre lençóis brancos não eram vítimas dos massacres de 17 de dezembro de 1989, mas mortos desenterrados do cemitério dos pobres, oferecidos condescendentemente à necrofilia da TV .

No entanto, o mito em torno de situações como aquela (um regime fechado, a terrível polícia política agindo em subterrâneos labirínticos, a analogia do comunismo stalinista com o nazismo, a conspiração) atiça a imaginação e facilita a montagem da fraude, com inevitáveis consequências políticas. Ramonet diz que,

a partir de imagens cuja autenticidade ninguém sequer sonhou averiguar, chegou-se a pensar, em nome do “direito de ingerência”, numa ação guerreira, e alguns até chegaram a exigir uma “intervenção militar soviética” (!) para derrotar os partidários de Ceaucescu...
"

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