conforme a Simone havia solicitado, posto a seguir três resumos referentes a eventos do segundo semestre. O primeiro foi submetido ao I Colóquio Binacional Brasil-Portugal, que rola em Natal nos dias 2 e 3 de setembro, antes do Intercom. O segundo eu enviei para o Núcleo de Pesquisa Comunicação e Culturas Urbanas do Intercom, coordenado pela Silvia Borelli - os dois foram aprovados (êêê!). Já o terceiro eu submeti ao GT 04 - Experiências urbanas, comunicação e sociabilidade do III Coneco (em novembro, sediado na UERJ), cuja avaliação ainda não está disponível. É um resumo expandido, peço a todos uma boa dose de paciência. Como vocês já devem ter percebido, meu escopo temático é bastante limitado...
Podem descer a lenha e comentar à vontade [risos].
Abs a todos
Tiago M.
1. Cartografias do imaginário navegante: reflexões sobre a identidade narrativa diaspórica, o “senso comum mítico” e nosso (des)conhecimento da cultura portuguesa contemporânea
Este paper tem por objetivo mapear os elementos constituintes de um “senso comum mítico” sobre Portugal nas representações da cultura lusa que circulam de forma hegemônica no Brasil. Identifico as evidências da nossa concepção monolítica sobre a cultura portuguesa na recorrência sistemática a determinados temas que se fazem presentes em boa parte das representações consagradas entre nós (como o apelo à tradição, o retorno nostálgico ao passado e a eterna melancolia). Em um segundo momento, problematizo esta concepção ao conceber tais “verdades sobre o caráter nacional português” como discursos socialmente construídos ao longo do tempo, relacionados, em alguma medida às questões de identidade e representação envolvendo a experiência migrante durante os anos do Salazarismo (1933-1974).
2. Muito além da ‘Casa Portuguesa’: uma análise dos intercâmbios musicais populares massivos entre Brasil e Portugal
Este trabalho mapeia e discute os ruídos, os silêncios e as assimetrias que pontuam os intercâmbios musicais populares massivos entre Brasil e Portugal. Ao mesmo tempo em que a nossa percepção sobre a cultura portuguesa contemporânea parece mediada por um “senso comum mítico” profundamente influenciado pelo discurso da tradição, Portugal vem se revelando um receptor entusiasmado da nossa “moderna” cultura da mídia. Tais desequilíbrios se refletem no enorme sucesso de artistas e bandas brasileiras em Portugal, cujo contraponto é o total desconhecimento da produção musical portuguesa contemporânea, sobretudo na seara do pop/rock. Este paper se propõe a questionar a natureza socialmente construída de tais discursos, e assim contribuir para a elucidação de alguns aspectos da dinâmica local-global no âmbito da indústria do entretenimento, relacionados às práticas de consumo musical juvenil e urbano.
3. Quanto vale o fado? Capital cultural, distinção social, legitimação simbólica: proposta teórico-metodológica para a análise do consumo de música portuguesa no Brasil
Introdução
Esta comunicação tem por objetivo investigar em que medida o conceito de capital simbólico, desenvolvido por Pierre Bourdieu em alguns de seus trabalhos mais expressivos (1983; 1986; 1989), pode se revelar uma pertinente ferramenta teórico-metodológica para a compreensão das relações de consumo assimétricas que se estabelecem entre diferentes imaginários culturais (e, sobretudo, musicais).
Como ponto de partida da minha investigação, incorporo o horizonte teórico composto pelos conceitos de Capital Simbólico, Cultural e Social formulados por Pierre Bourdieu, e relacionados às práticas e aos discursos de legitimação e distinção dentro de um determinado campo cultural, na análise dos intercâmbios musicais populares massivos que se estabelecem, hoje, entre Portugal e Brasil. O fato de conhecermos muito pouco (ou quase nada) do que tem sido feito Além-Mar, no âmbito dos gêneros vinculados ao universo do pop/rock ou da música eletrônica (num contexto em que a música brasileira ocupa um lugar quase hegemônico em termos de penetração e popularidade), me parece revelar a existência de uma assimetria no modo como os respectivos imaginários simbólicos e culturais são percebidos, consumidos e reproduzidos em ambos os países (Monteiro, 2007).
Metodologia
Em um segundo momento, desdobro esta idéia de assimetria a partir de duas chaves de leitura que, dialogando com os conceitos de Bourdieu, nos ajudariam a compreender tal desconhecimento, nos termos do valor simbólico que esta produção musical portuguesa possuiria entre nós: o papel da crítica musical (no sentido de legitimar alguns imaginários culturais em detrimento de outros) e dos discursos essencialistas-estereotipizantes (funcionando como esferas de mediação que “contaminam” nossa percepção dos bens culturais); e a noção de gênero musical enquanto orientação mercadológica (fornecendo o substrato teórico para uma reflexão sobre a categoria de world music, onde costumam ser alocados os eventuais artistas portugueses lançados comercialmente no Brasil). Por fim, localizo no escasso valor simbólico, em termos de capital social, que o consumo de música portuguesa (seja ela “tradicional” ou “moderna”) é capaz de denotar, uma das possíveis explicações para a pouca expressividade dos gêneros populares massivos portugueses junto ao público consumidor (sobretudo jovem e universitário) brasileiro.
Resultados e discussão
Ao adotar esta perspectiva, em primeiro lugar, autorizo-me a deslocar as discussões sobre gosto e sobre consumo cultural de uma esfera psicológica e individual para uma dimensão social e relacional. Em outras palavras, longe de corresponder à disposição estética para o belo sinalizada por Kant (que parece emanar naturalmente da subjetividade do indivíduo), proponho que as preferências culturais sejam inscritas no contexto de uma construção de sentido e de valor que é socialmente codificada, a partir dos fluxos de capital simbólico traduzidos em determinados discursos e práticas.
Em um segundo momento, a reflexão originalmente formulada por Bourdieu nos permite problematizar certas posturas eufóricas e populistas que concebem as comunidades de gosto como espaços harmônicos, pautados por relações consensuais que seriam, em alguma medida, unificadas pura e simplesmente pela existência de um repertório comum, ou mesmo pelo desejo de “estar junto” (Hetherington, 1998; Maffesoli, 1987). Ao contrário, pensar os repertórios simbólicos e culturais em termos de capital nos introduz uma nova dimensão: aquela que nos remete à idéia de acumulação, com vistas à determinada finalidade, qual seja, a de afirmar a ocupação de um “lugar social” de onde posso me diferenciar dos demais, em virtude do maior ou menor capital cultural e simbólico que possuo (ou demonstro possuir).
Conclusões.
Decerto há muitas questões envolvendo o nosso desconhecimento da música portuguesa, para além daquelas relacionadas ao valor que ela possui no mercado global das trocas simbólicas, embora tais discursos, em alguma medida, contribuam para estes processos de atribuição de valor. À guisa de conclusão, questiono a quem seria interessante o (re)estabelecimento dos fluxos e intercâmbios simbólicos e musicais entre Portugal e Brasil, numa via de mão dupla, e não em sua atual configuração que, além de assimétrica, é pontuada por ruídos de toda a espécie.
O consumo de bens culturais não pode ser dissociado do valor simbólico que eles contêm, capaz de ser convertido em capital social ou cultural. Antes de defender acriticamente uma maior presença da música popular massiva portuguesa contemporânea no Brasil, portanto, é preciso mapear os eventuais ganhos simbólicos, em termos de legitimação e distinção, que ambas as partes podem extrair desse consumo.
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