sábado, 7 de junho de 2008
Cinema, comida, sexo e Bourdieu
O conceito de distinção de Bourdieu é daqueles que nos assombram todos os dias e acabam aparecendo em tudo, a todo o tempo. Como estava focado nos textos da última aula, acho que a coisa piorou.
Nesse meio tempo, fui ao cinema ver Estômago e foi impossível não tentar analisar o filme a partir desse ponto de vista.
Na história de Nonato, que chega a São Paulo sem dinheiro ou lugar para ficar e, por necessidade, começa a cozinhar em um botequim é marcada o tempo todo pelo gosto e disputas simbólicas por distinção. Isso tudo com um jogo que o tempo todo mistura o prazer da comida ao sexo.
Nonato não tinha experiência na cozinha, mas é convidado pelo dono de um restaurante italiano que percebe algum talento nele para deixar o bar e trabalhar em sua cantina.
Por um motivo que não devo revelar em respeito aos que não assistiram ao filme, Nonato vai parar na cadeia. É interessante observar como ele pensa em que nome deve adotar para impressionar e assustar os outros detentos, mas que seu jeito na cozinha acaba lhe rendendo o apelido de Alecrim.
A partir daí, começa a jornada para ser mais respeitado dentro da cadeia. Ele percebe que aquele conhecimento lhe confere privilégios e usa o que sabe de culinária, mesmo que com uma série de informações trocadas e decisões equivocadas - como oferecer aos detentos um vinho com aroma de cachorro molhado em vez de cerveja - para ganhar respeito e espaço.
A montagem do filme possibilita uma comparação com a forma como tudo se inverte quando Nonato está na cozinha do restaurante, aprendendo a preparar pratos simples e a apreciar ingredientes que antes desconhecia. O gosto adquirido no restaurante o diferencia dos detentos, mas ele não percebe de cara que nem tudo vai ser apreciado da mesma forma por todas as pessoas e que um gorgonzola, delicioso para alguns, fede demais para outros.
A relação entre gosto, comida, nível intelectual e sexo feita em estômago lembra muito o filme O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante. Centrada quase que completamente em um restaurante, a trama se desenvolve em torno dos personagens do título. Um sujeito ignorante, porém rico, mantém financeiramente um estabelecimento luxuoso e acredita que isso faz dele um sujeito refinado.
Sua mulher, que nitidamente não tem muito a ver com ele, sabe apreciar os pratos preparados pelo cozinheiro especialmente para ela e acaba se interessando por um homem solitário que todas as noites come acompanhado de livros, com quem mais tarde tem um caso.
Dirigido por Peter Greenaway, que vem das artes plásticas, com figurinos de Jean Paul Gautier e uma direção de arte muito impressionante, o filme enche também os olhos.
Se os filmes são bons, pode ser uma questão de gosto, mas a presença das idéias de Bourdieu não se discute.
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